25/01/2011

Os Olhos

Encontrei com ele na sala de espera do centro cirúrgico de um hospital oftalmológico.
Jovem bonito, gentil e tinha um sorriso tão branco, tão largo e espontâneo que eu me surpreendi ao perceber que ele era praticamente cego:
- Enxergo dez por cento, mais ou menos – ele justificou ao sentir o meu espanto, mas manteve o sorriso e me olhava fixamente.
Aqueles olhos brilhavam; eram os olhos mais vivos que eu talvez já tenha visto. Fiquei pensando como tantas pessoas que enxergam na sua totalidade não conseguiam manter aquele brilho, aquela vida dentro dos olhos; era uma chama.
Falamos sobre música e mulheres e nossos problemas no olho e demos boas risadas; Ele com seus dez por cento e eu me sentindo até arrogante por ter sessenta por cento e reclamar tanto. Senti vergonha.
A enfermeira chegou para levá-lo à cirurgia e então ele se despediu, brincando jocoso:
-A gente se vê!
Eu sorri e concordei. Sabia que aquilo era verdade; Nós veríamos sempre, mesmo com os olhos tão remendados e talvez até fechados.
Nesse dia eu percebi que a cegueira é algo que vai muito além dos olhos... e a visão também.

18/01/2011

Milk-Shakes e Caras Sentimentais


(à Charles Bukowski)

Aqui na esquina eles vendem milk-shakes
com vodka

deve ser uma boa para caras assim,
meio sentimentais

Tomar um porre de Milk-shake
com a sua garota
deve ser algo muito digno, pois as velhinhas
do ponto de ônibus e da fila do banco
nunca iriam se importar
com um casal dançando na rua
na chuva
segurando Milk-shakes

e elas até
ficariam felizes.

Até o Bukowski
ficaria
feliz.

17/01/2011

Texto Popular


Água mole em pedra dura tanto bate até que a pedra bate de volta! Pois, não que o mundo seja cruel; não! O mundo é cru, apesar de as coisas estarem esquentando ultimamente.

Deus tem dó de quem cedo madruga, pois este não vê o sol nascer e nem ouve um Blues debaixo do céu pelado e frio, sem lua. Quem cedo madruga não sabe que os dias passam rápido demais.

Mais vale nenhum passarinho na mão e todos no ar; Mais vale ficar com as mãos livres para segurar as mãos do teu velho, passá-las no rosto da sua garota e segurar o amigo que bambeia.

Em terra de cego quem tem olho é estranho. Aliás, todos são muito estranhos e, conheço muitos casos em que, mesmo munidos de olhos e uma visão de águia, andam muito, muito cegos.

16/01/2011

A Fuga

Na fuga em um gole de café eu vejo na xícara

dois olhos sem açúcar e,

como num susto,

acabo
me encontrando.

04/01/2011

Trinta e Sete

-Até logo.
E deu dez passos a moça de vestido colorido.

Em dez passos arranjou dez motivos e meio para nunca mais voltar.
Mais dois passos e assim, nesta dúzia distante, sentiu-se observada e virou para trás.
Avistou uma boca e na boca um sorriso. Trinta e dois dentes, duas mãos firmes e quentes enfiadas nos bolsos e um brilho nos olhos.

Trinta e sete bons motivos para voltar.

Não que fosse volúvel, mas sabia contar:
Saudades misturada com boca, sorriso, mãos firmes e brilho no olhar, ah! Isso tudo era sempre uma ótima desculpa para relevar outros tantos motivos que pareciam – e só pareciam – tão errados.