26/06/2009

Aos Meus Bons Tolos

Ah virtuosos do coração! Vocês que são tão belos e encantadores em tuas palavras, teus cantos, tuas artes; vocês que sentem o mundo de forma singular e exagerada; Belas pessoas vocês que vêem além dos olhos cegos da matemática!
Ah, virtuosos do coração! Artistas desconhecidos da simplicidade dos dias e profundos sábios daquilo que se passa dentro do peito e escorrega pelas palavras entrelinhadas! Tranças de sentimentos considerados tolos que se enlaçam, crescem e, inclassificáveis, desaparecem, sem que ninguém os notem... Mas vocês... Ah, vocês! Como são bons em seus métodos!
Saibam vocês, aqui aludidos, que serão abençoados com os infortúnios sociais do destino! – Amém. E digo-lhes mais, melancólicos, vocês que sabem amar, vocês que sabem das peripécias maravilhosas do mundo e dos sentimentos, vocês que tecem belas conversas, vocês que pintam, atuam, tocam... Ah, estão todos perdidos! Perdidos!
E por que perdidos? Ah! É a dualidade do mundo, presente em tudo. Profundos como vocês terão que andar nos extremos das situações humanas! Ah! Sim! Terão que cuspir sinceridade àqueles que lhes chateiam. Sensivelmente atingindo a insensibilidade terão que saber como magoar, ferir e desprezar... Sim! São os ossos do ofício! Não basta o carinho e a compreensão. Não basta. Terá que ser cruel.
O virtuoso do coração que não sabe como operar com sentimentos sombrios e opostos vai padecer, e deixa esvair toda sua essência e inspiração através da casca da falsidade que criou para não desagradar aqueles que lhe perturbavam de algum modo, por mais ínfimo que seja. E digo que os virtuosos são ótimos nisso, sabem muito bem ser ardilosos com máscaras, mesmo que acabem sufocados por elas, algum dia.
Ó, infelizes irmãos das virtudes humanas! Ó, desventurados companheiros da sensibilidade singular! Lembrem do que escrevo para vocês, por mais asqueroso que seja, um dia usará das virtudes contrárias.
Ó tolos sentimentais e incansáveis pensantes! Ó exagerados da vida e cúmplices do subliminar! Ó, meus iguais!

20/06/2009

Pele de Tela

pingadas ao acaso
minhas formas em teu corpo
como manchas de tinta
na sua pele de tela

despreocupados
os contornos são traçados
fogem à forma e giram
preguiçosos

respinga chuva
o suor fremente que escorre
salpica salgadas gotas
em nossa pintura

atingidos por pincéis
os cabelos se mesclam
como num combate
inofensivo

pés quentes
e as mãos formam
pássaros a voar num céu
multicolorido

pincelamo-nos
misturando nossas cores
qual belo espetáculo
aleatório

suas preciosas tintas
de cheiro mole e fresco
me sujam as roupas
e a mente

14/06/2009

Videira

O melhor mesmo foi o vinho
ela tinha uma videira inteira,
Mostrava – risada
tuas fulguras
colhia-lhe as uvas, no ventre
Afastava as pernas – e a calça.
Ebriáticos.
Então, provava de teu vinho
âmago...

Bradava, qual menina faceira,
o teu desinteresse pelo mundo.
Me chamou imaculado;
louca – eu ria.
Eu lhe mordia as formas
e os contornos desapareciam;
era noite

11/06/2009

Um Triunfo no Farol

Apoiou-se num poste, esperando o farol abrir. Os carros passavam rápido demais. Estaria bêbado já aquela hora? Difícil saber. O sol, pálido e fosco, nascia como bebê prematuro, numa quarta-feira.
Rápido demais, os carros continuavam passando. Talvez rápido demais para seus olhos e para a vida. Não podia entender. Ficava ali, como decoração, preso ao poste pelos pregos do desânimo. Escultura de pedra. Pedra fria e triste.
Resmungou qualquer coisa, caçando um cigarro no bolso da camisa e o farol fechou. Verde, amarelo, vermelho. Atravessou, lento, pesado. O tipico passo de quem não cultua ambições; o passo do tédio; do conformado.
Por um momento, olhou para aquelas maquinas paradas com um olhar soberano, superior. Agora eram seus iguais, ou até mesmo inferiores: Estavam todos parados, esperando, os motores com o barulho constante. Atravessou como se fosse um triunfo, soberano de uma batalha justa.
O farol abriu e os carros voltaram a passar. Praguejou algo, gesticulando com as mãos e o cigarro dançando na boca. Malditos carros, de certo pensava. E já do outro lado da rua, o olhar voltou a ficar perdido entre os vultos barulhentos. Mas não lhe davam atenção ou prestígio nobre; só passavam, rápido demais.

10/06/2009

Sobre a Panturrilha Inflamada e os Copos d'Água


Eu que pensava que tudo era oceano, ao me deparar com os incalculáveis passos no asfalto, vi que não passavam de copos d’água salgados. Andei milhares de metros e metrôs, por várias horas, sozinho. Chorando, como criança perdida no tumulto das seis horas da tarde; os olhos ausentes.
Os motivos que levam tais coisas acontecerem - chorar e andar sem rumo – são óbvios demais, enfadonhos para mentes calejadas, talvez. “Ah, os jovens! Ah, os exageros! Ah, as paixões!” diriam, empregando a mesma ortodoxia irritante de pensamentos lógicos e infelizes.
Andando encontrei três figuras que tocavam violão. Estava chovendo, que importa? Me sentei no chão com eles. "Onde há música não pode haver maldade.", como diria Cervantes.
A música deles era bela ou então meu estado de espírito que, lírico demais, fazia do menor bater de folhas algo divino e infinito, como os poetas fazem. Então, decidi seguir meu rumo sem rumo. Fui andando, errante, até que meus pés me levaram pra casa.
Sinto que esse dia trouxe algo de inexplicável e misterioso para o resto dos meus outros dias. E não foi só a panturrilha inflamada, vítima das andanças. Não foi: Foi como se esse estado solene, triste, ficasse como tatuagem, sempre ali marcado, pra lembrar de algo, algum dia.