05/04/2016

Sentimento de Ir

A sensação única de estar numa rodoviária de longos percursos. Este é o momento crucial, de tamanho sentimento e de turbilhão das vidas e suas possibilidades. Neste lugar só há a sensação de ver a moeda ser jogada num cara ou coroa eterno, como num gif bobo da internet: ficamos presos ao momento exato em que a moeda gira no ar das incertezas, sem jamais saber o resultado.

Essa sensação de imensidão; de únicas oportunidades; de tudo no nada, com certeza já foi sentida por muitos. Alguns pensadores definiriam isso apenas como "modernidade". Até mesmo Robert Johnson, ao gravar uma das primeiras músicas que se poderia gravar no mundo - Love in Vain, que se passa numa estação de trem - devia estar pensando nisso. E olha que não há nada mais justo que o blues para incorporar esse sentimento de rodoviária.

Minha primeira pontada no coração assim, de furacão, foi ao visitar um amigo querido em Minas Gerais. Voltei outra vez e outra ainda até que passei a voltar sem vê-lo. Retornei somente para Minas, que continuava lá parada e intocada. Minas Gerais, muito diferente de nós, humanos, com nossos tantos caminhos que cismam em desencontrar-se, o nosso movimento para lugar nenhum. Nossas palavras que não nos abrem estradas, mas sim buracos e abismos.

Só lhe digo que pessoas continuam com suas mochilas nas costas, esperando seus ônibus e aviões e caronas. Digo também que esse tipo, que viaja de canto a outro, incomoda demais a todos nós. Foi assim com os ciganos, os negros, os judeus e outros tantos povos nas guerras e crises: os mochileiros vira-mundo, os bolivianos discriminados em SP... e sabe o que mata?

Mata ver que essas pessoas assumiram percorrer um caminho, tragar a estrada, ao contrário de todos nós que pretensiosamente achamos que o caminho é só um meio para se chegar a algo maior, que já revelamos o sentido de nosso caminhar. Essas pessoas conseguiram sentir que o caminho é o próprio objetivo de uma vida - não há nada pra frente ou para trás, a não ser a própria andança.