27/11/2009

O que é importante?

Às vezes parece que eu vou abrir os olhos e acordar aquele menino de sete anos, de novo, e toda essa loucura de mundo, essa agitação sem sentido, esses valores e regras que eu descobri aos poucos e com esforço, vão ser só mais um sonho sem sentido, daqueles que a gente esquece quando estamos fazendo algo extremamente importante, como brincar no quintal e ouvir histórias de avô.

18/11/2009

Maçãs


"Sofro, mas eu vou te libertar
O que é que eu quero
Se eu te privo
Do que eu mais venero
Que é a beleza de deitar..."

Raul Seixas - A Maçã



Não é mágoa, menina. Não. Nem ressentimento. Explico:
Quando se morde uma maçã que parece bem suculenta e sente-se na própria boca um inesperado suco de podridão, que vem do interior da fruta, é inegável e impossível não fazer uma cara de repulsa natural. E depois do nojo vem a exclamação: Num reflexo tão instintivo quanto a repulsa, joga-se a maçã ao longe. E assim foi.
Mas não culpo a maçã! Ai de mim! Não se pode culpar a maçã; O mundo é que a apodreceu por dentro, e por fora se criou a casca do orgulho, de uma beleza mascarada e volúvel, para enganar as bocas afiadas que a mordem; para protegê-la dos sentimentos reais, que tanto machucam! Ah! Maçã orgulhosa trancada no próprio lodo!
Você foi essa maçã. Maçãs foram feitas para encenar histórias de contos de fada! Maçãs mágicas que salvam vidas, outras envenenadas e ainda assim parecem todas iguais. Mas veja bem: só encenação, cuidado. O homem bem sabe o que acontece quando se morde uma maçã irresistível! Ah, Adão, tolo você de ter mordido antes de saber o que vinha dentro! Tolo!

08/11/2009

Milongas do Velho Preto

O preto curvado sai caminhando no chão de terra batida e senta no banquinho devagar, pois as pernas já são fracas. Suas rugas e seu cachimbo estão recheados de histórias.Com a mão trêmula alisa a barba branca, enquanto os mais jovens sentam-se no chão, em silêncio. Seu olhar é ancestral e penoso, mas não deixa de ser alegre. Todos esperam ansiosos.
Com as primeiras tragadas de cachimbo as velhas histórias começam a flutuar no ar, penetram os corações com as palavras humildes. Até os filhos do senhoril – filhos brancos, criados ao molde europeu, cheios de preconceitos – estão debruçados na janela do cativeiro, curiosos, enfeitiçados pelo conto.
Agora já não há cor de pele, nem diferenças, nem talheres de prata, nem casarão, nem etiqueta, nem nada. Ali só se via humanos, sentindo como humanos e vivendo coisas reais através das palavras gastas e arrastadas do preto-velho.
O velho foi deitar-se na cama de palha, satisfeito; Naquele dia alguma coisa mudou. Saíram todos dali meio abalados, todos quietos com os próprios pensamentos; Saíram dali de olhos baixos, com vergonha.
Estavam aprendendo a ser verdadeiramente humanos.