08/07/2016

Nós humanos, espalhados como areia em ventania

Existe uma descontinuidade eterna em nossa vida. Somos pedaços ambulantes espalhados pelo tempo.
Algum filósofo ou sociólogo com maior paciência que eu para estudar vai saber o conceito certo, pragmático. Eu não, eu não vou saber, eu só quero sentir.

Acontece essa descontinuidade, essa quebra, pois somos dotados de uma memória atemporal e um corpo físico fadado ao tempo, temporal. Esse é o clássico embate dualista mente versus corpo, tão visto, tão falado - e  sem saída.
A memória é atemporal por que traz exatamente a mesma sensação, o mesmo cheiro, o sentimento - tudo - de um momento passado (e futuro, talvez) que fisicamente é incapaz de se reproduzir no presente, no momento em que se lembra. O corpo físico está fadado aos mandos e desmandos do tempo, trancafiado no plano cartesiano tempo versus espaço. 
A mente não tem essa limitação; a mente está além do tempo. A memória pode se deter em qualquer lugar do tempo, como se pausa um vídeo - e pode deter-se até em memórias que não aconteceram, como Freud mostra em suas "Lembranças Encobridoras". Não importa a veracidade da lembrança, mas sim as sensações que ela traz, sensações que não deixam de serem reais.
Mas enfim, lembrar de um momento reproduz no corpo a mesma reação física, mental, sentimental de estar realmente vivendo este momento novamente. O que difere o lembrar, na mente, do viver, de corpo presente, é o impedimento de interagir com o passado. Imutáveis como pedra são as lembranças - mesmo que se desvaneçam com o tempo e possam ser reinterpretadas.
Isso tudo transforma os pensamentos fardos muito doloridos para carregarmos: A mente está num lugar, o corpo noutro. Essa cisão nos persegue e é parte integrante de nós. Somos pedaços ambulantes espalhados pelo tempo e a ânsia de juntar nossos pedaços nos leva a frustração e ao desgosto. Um problema sem solução, um paradoxo.
Queremos arrumar a vida como arrumamos a nossa casa: deixar tudo alinhado, limpo e organizado em caixinhas. Queremos sanar nossas pendências com as outras pessoas e deixar tudo em "pratos limpos", mas não podemos! Justamente por sermos seres anacrônicos, cindidos, espalhados pelo tempo. Conciliar passado e presente - mente e corpo, cultura e natureza- é como querer matar o passarinho ontem atirando uma pedra hoje.

Sabe o foda? O foda mesmo? Tudo isso é óbvio demais pra ser falado, pra ser posto em texto ou em fala. Lendo e relendo tudo isso dou risada pela obviedade da nossa constituição dicotômica. Como é bobo o sofrimento humano. Como são bobas nossas aflições.



06/07/2016

Nossa, faz tanto tempo, não faz? Eu só queria dizer que eu passando pelas ruas de Jaçanã vi um motel do lado de um ferro-velho e, por um micro momento que logo após se perdeu, pude saber tudo o que era a minha cidade e tudo o que ela diz . Vi toda nossa crença pretensamente científica, nossas linhas invisíveis de ligação quase religiosa com o dito progresso - tudo tão universal que Levi Strauss até ficaria feliz. Eu soube onde todas as pessoas estavam indo. Toda essa estrutura fantasmagórica que faz coexistirem motéis e ferros-velhos.