28/10/2008

Máquina de Escrever


A máquina de escrever cheira a literatura, carregada de significado com suas teclas gastas, mas sempre recentes, esperando para serem expostas num magnífico romance ou suspense. O barulho das teclas soa como a poesia, e retumba até o teto deste quarto sujo, fazendo zig-zagues e despertando do sono cada neurônio jovem e curioso; cada neurônio idoso, que se esforça para relembrar antigos tempos.
As suas teclas formam as palavras. Todas elas estão ali. Me convidam a escrever, relatar e dizer-lhes tudo, dando ao final de cada linha, um belo e sonoro 'plim!' aprovando minhas idéias tolas, ou apenas negando-as, sendo educada e cordial, não querendo discordar de mim; que bela dama. As letras batem com força no papel -fap, fap, fap-, que gira, contorna, vai e vem, num ritmo quase erótico; a linha entre o prazer de escrever e o amor à leitura.
Agora, saturada das metáforas, cospe as folhas de papel, e se recusa a escrever outra vez. Não quer me servir, fria e cruel senhora das letras; já cansada. Ignora as palavras que meus dedos gotejam, fazendo delas todas apagadas e disformes, desalinhadas e sobrepostas. Me nega sua fita de tinta e suja todos os meus dedos em evidente objeção.

26/10/2008

Porta Calada

A porta fechada
calor acrescido
Batem na porta
calor contido

O farol se fecha
ninguém se abre
tudo nas ruas
parece vaidade

Olhares lacrados
tudo é indevido
não fale nada

17/10/2008

Sobre Ela e Eu

E numa mordida, arrancar tua roupa toda. Tua orelha dança quando ouve minhas leves sílabas tônicas, que são derramadas ao pé de seu ouvido, com esplêndida devoção. Não sabemos mais onde estamos, e o nosso nome já não faz mais sentido. Só ouço beijos, estalos incertos, que parecem gotas ecoando em becos escuros e cheios de solidão. Somos só beijos e contamos segredos do corpo. Segredos que a cidade inteira inveja.
Uma inconseqüência adolescente me toma quando vejo essa pele rósea e macia, com o cheiro singular que não é do perfume. A pele exala os teus desejos, sendo eles os mesmos que os meus, e esses cheiros se cruzam no ar, justamente acima, abaixo e no meio de nós dois, e qualquer um pode perceber esse fenômeno, mesmo que se estivermos a metros de distância.
Porque e para que tantos obstáculos? Porque não entendem que é ainda tentação maior privar-me de ver-te ou falar-te?
Oh, saiba que minhas saudades vão muito além das dezenove horas, meus desejos além das vinte e duas, e meus sentimentos penetram a meia-noite, transbordando às dez horas da manhã.

09/10/2008

Os Olhos Antes de Dormir.

Os olhos cansados não querem se fechar; têm preconceitos e medos perante o amanhã, que é certo e incerto. Preconceitos aos dias iguais, que são sacrificados em função de um sistema de sociedade. Incerteza certa pelo amanhã que mais parece um jogo de dados e costas quentes!
Vejam só, sacrificamo-nos para não sentir, para se encaixar. Até o mais singular não está livre da baioneta que fura os intestinos de quem tenta se elevar perante à um rebanho que se sujeita somente à chicotadas!
Mas já conhecem todas essas palavras, que até para mim se tornam nauseantes. Paremos por aqui, e falemos de... futebol.

04/10/2008

Metáforas, metáforas e metáforas. Me cansam.

Certa vez fui comparado a um leve lençol ao vento, por uma pessoa queridíssima. Me chamou tal pela minha sensibilidade ao sentir e ao expressar emoções. Tomei a liberdade de analisar essa rica e fenomenal comparação, e acabei chegando à alguns resultados.
O lençol não tem forma, se molda ao dispor da movimentação de vento, é branco e puro se recentemente lavado e se molhado, escorre e evapora com o calor até secar. Sinceramente, não me vi em nenhum dessas características metafóricas. Eu tenho forma fixa de sentir, e quando exposto à ventos (seriam esses influências), explodo em sentimentos para a autoconfirmação de minha própria pessoa. Não me moldo ou calo diante de situação indevida! Aliás, considero tal coisa -repressão- como ato tolo, infeliz e auto-destrutivo. Se molhado, encharcado por lágrimas, eu me escondo na noite de meu quarto, e tento falar com você, pequena, para tentar me secar. O sol me faz mal e aborrece, mas a lua me desperta paixão.
Vejo que de lençol ao vento eu não tenho nada! Sentir é para os fortes, os corajosos e os desocupados... Me encaixo nessas três caracteristicas, e sinto agora, como se tivesse contido dentro de meu pulmão a honra de poder sentir, explodir, ansiar e temer, mas mesmo assim, ser forte. E não forte por resistir, mas por sentir e mostrar.

Árvores, Quintais e Problemas.

É impressionante pegarmos uma pequena semente, plantar, regar, e vê-la crescer, até se metamorfosear em uma árvore com o triplo do nosso tamanho.
Acho que não só as sementes são assim mas muitas situações na nossa vida também. Começam pequenas e então se tornam maiores que a gente, nos conduzindo. Isso acontece com problemas também... eles crescem, se tornam árvores grandes com raízes que perfuram nosso solo, destruindo nossa superfície. Impedem os sorrisos e o proveito dos bons momentos.
Pior quando essa semente de problema não é nem nossa, mas afeta incrivelmente o nosso solo, sugando nossos minerais por estar muito perto; a intimidade.
Você empresta seu machado ao vizinho, o ensina a cortar essa árvore maligna e escura, mas nada será feito até que ele queira.
Descobri que não podemos simplesmente querer resolver os problemas dos outros. Mexer na merda do outro é uma coisa muito complicada. E eu já não sei mais o que fazer, pois essa árvore está tomando proporções colossais, já causando estragos em minha propriedade, e meu vizinho tem medo de machucar a mão ao tentar cortá-la.
E eu, nada posso fazer... Como sabem vocês, o 'quintal' do vizinho é um terreno desconhecido, escorregadio e perigoso. E ainda podemos tomar chumbo ao tentar adentrar.

Se envolver no problema dos outros é uma imensa droga corrosiva. Temos que ver os problemas como espectadores, somente. Se nos envolvemos demais, pode ser que seria equivalente à "regar a árvore".