16/05/2017

As Pilhas

Na primeira vez eu era pequeno. Tão pequeno que usava ainda pijamas para dormir. Como todas as crianças que acordam subitamente de madrugada, acabei por descobrir um segredo. Vi meu pai na cozinha escura, sorrateiro e alerta feito luz que acende sozinha na rua. Com o braço esticado para a parede, pegou o único relógio da casa e tirou a pilha. “O tic-tac não me deixa dormir”, explicou mais para ele mesmo do que para mim.
Mesmo tendo visto esta cena de símbolos tão marcantes durante muitos anos, eu não conseguia entender a situação de forma completa. Julgava-o sistemático, paranoico e até medroso do tempo. Eis que numa noite qualquer, vinte tantos anos depois, me peguei pesquisando no Google “não sei o que fazer da minha vida”. Naquele momento, embalado pela valsa dos ponteiros, eu pude entendê-lo.

04/05/2017

Ficha que cai

a gente deixa tanta coisa passar sem se dar conta
e quando se dá conta de algo
quer descontinuar o mundo
e entrar na máquina do tempo (máquina que não existe)
para resolver uma pendência que é só nossa

parar o mundo
para salvar a si mesmo no passado
por isso o arrependimento
é tão egoísta e amargo