13/03/2018

Do Verde ao Amarelo


Quando os carros passarem sobre a faixa de pedestres, não me revoltarei. Esperarei indiferente e sem esperanças de um mundo que olhe a todos com igual consideração. Não denunciarei nenhuma injustiça, nem apartarei brigas. Já me sinto roer pelo embrutecimento das emoções. Apenas seguirei - sempre cego - os semáforos das coisas e das pessoas. Do verde ao amarelo, do vermelho ao verde. Obediente e infantil. A cada carnaval me sinto mais vazio dos confetes comuns, mais vazio de prazeres espontâneos. Vejo a senhora que vende pipoca colorida debaixo do sol e como sou egoísta com os meninos que pedem no farol: Não há solução para a vida.
O emaranhado de pontas soltas se acumula ano após ano. Seria inocente esperar que o meu peito não derramasse pelo chão. Derrama, mas não faz sequer uma poça decente. Brevemente úmido como um punhado de terra cozida! Tudo o que despertar vida, cor e arte será banido de mim. Restará o prazer da labuta sem fim, da burocracia, do protocolo, do sistema e de chorar escondido no banheiro.
Sinto que esqueci de tudo o que gostaria de fazer. Regulei tanto o meu modo de agir e ser, medi tanto cada palavra que falei, cada gesto! Fui omisso a mim e me perdi. Outro dia procurei a ponta da fita adesiva com a unha e acabei lembrando da minha história: onde larguei o primeiro passo de todos os meus sonhos? Fui tão alheio que me deixei levar. Covarde. Covarde! Flutuo sobre o grande e chato mar das sensações imediatas, dos prazeres fáceis. Incapaz de planejar uma excursão até a padaria da esquina, incapaz de dar cabo de qualquer demanda pessoal! Inapto para carregar o bilhete de ônibus, mas capaz de pensar sobre a cosmologia que deveria ligar tudo a todos e esses a todas as coisas do mundo.
Fecha o semáforo novamente. O mundo volta invicto com a mesma força das máquinas calculadoras: inquestionável, invencível. Aparece na minha frente, o mundo e nos olhamos um ao outro. Mesmo com toda essa tímida poça de alma que escorreu pelos meus pés, a ordem social me faz atravessar a avenida.

3 comentários:

  1. Nossa comoção é bonita, mas deprimente e inútil, tão inútil quanto o que sobra depois de termos que nos livrar de tudo o que nos compõe verdadeiramente, até sobrar somente uma estrutura vazia e vadia, a ser preenchida com o que quer que enfiem ali dentro, menos nós mesmo, nunca nós mesmos.
    E nós seguimos, como parte disso que nem sei mais como nomear, nós só seguimos.

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    1. Não seria uma extrema soberba nossa, uma arrogância, exigir mais que isso? Seguimos e é isso que somos feitos pra fazer.
      Tenho medo de tentar chegar no núcleo do Eu, no verdadeiro Eu e ver só essa estrutura vazia. Quero um dia começar a parar de ter essa comoção inútil e seguir com o que tenho na mão, ao alcance... olhar tudo o que sou, por mais tosco que pareça, e agradecer por ter aquilo comigo! Todos os nossos acessórios plásticos, nossas falsidades são também nossos companheiros...
      Obrigado pelo seu comentário tão aberto, desprendido e inquietante!

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  2. Agradecer pelo que temos e se desprender plenamente do restante, não seria um dos piores tipos de morte possível? Me disseram uma vez para parar de tentar mudar o mundo, deixar as coisas serem como são. Mas me dói, sabia? Me dói tanto a ideia de aceitar e seguir, aflora o sentimento de inutilidade. Anula minha vontade de seguir, e me faz sangrar. Eu provavelmente continuaria seguindo, deixando uma trilha de sangue por onde quer que eu passe.

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