Quando os carros passarem sobre a faixa de pedestres, não me revoltarei. Esperarei indiferente e sem esperanças de um mundo que olhe a todos com igual consideração. Não denunciarei nenhuma injustiça, nem apartarei brigas. Já me sinto roer pelo embrutecimento das emoções. Apenas seguirei - sempre cego - os semáforos das coisas e das pessoas. Do verde ao amarelo, do vermelho ao verde. Obediente e infantil. A cada carnaval me sinto mais vazio dos confetes comuns, mais vazio de prazeres espontâneos. Vejo a senhora que vende pipoca colorida debaixo do sol e como sou egoísta com os meninos que pedem no farol: Não há solução para a vida.
O emaranhado de pontas soltas se acumula ano após ano. Seria inocente esperar que o meu peito não derramasse pelo chão. Derrama, mas não faz sequer uma poça decente. Brevemente úmido como um punhado de terra cozida! Tudo o que despertar vida, cor e arte será banido de mim. Restará o prazer da labuta sem fim, da burocracia, do protocolo, do sistema e de chorar escondido no banheiro.
Sinto que esqueci de tudo o que gostaria de fazer. Regulei tanto o meu modo de agir e ser, medi tanto cada palavra que falei, cada gesto! Fui omisso a mim e me perdi. Outro dia procurei a ponta da fita adesiva com a unha e acabei lembrando da minha história: onde larguei o primeiro passo de todos os meus sonhos? Fui tão alheio que me deixei levar. Covarde. Covarde! Flutuo sobre o grande e chato mar das sensações imediatas, dos prazeres fáceis. Incapaz de planejar uma excursão até a padaria da esquina, incapaz de dar cabo de qualquer demanda pessoal! Inapto para carregar o bilhete de ônibus, mas capaz de pensar sobre a cosmologia que deveria ligar tudo a todos e esses a todas as coisas do mundo.
Fecha o semáforo novamente. O mundo volta invicto com a mesma força das máquinas calculadoras: inquestionável, invencível. Aparece na minha frente, o mundo e nos olhamos um ao outro. Mesmo com toda essa tímida poça de alma que escorreu pelos meus pés, a ordem social me faz atravessar a avenida.
Nossa comoção é bonita, mas deprimente e inútil, tão inútil quanto o que sobra depois de termos que nos livrar de tudo o que nos compõe verdadeiramente, até sobrar somente uma estrutura vazia e vadia, a ser preenchida com o que quer que enfiem ali dentro, menos nós mesmo, nunca nós mesmos.
ResponderExcluirE nós seguimos, como parte disso que nem sei mais como nomear, nós só seguimos.
Não seria uma extrema soberba nossa, uma arrogância, exigir mais que isso? Seguimos e é isso que somos feitos pra fazer.
ExcluirTenho medo de tentar chegar no núcleo do Eu, no verdadeiro Eu e ver só essa estrutura vazia. Quero um dia começar a parar de ter essa comoção inútil e seguir com o que tenho na mão, ao alcance... olhar tudo o que sou, por mais tosco que pareça, e agradecer por ter aquilo comigo! Todos os nossos acessórios plásticos, nossas falsidades são também nossos companheiros...
Obrigado pelo seu comentário tão aberto, desprendido e inquietante!
Agradecer pelo que temos e se desprender plenamente do restante, não seria um dos piores tipos de morte possível? Me disseram uma vez para parar de tentar mudar o mundo, deixar as coisas serem como são. Mas me dói, sabia? Me dói tanto a ideia de aceitar e seguir, aflora o sentimento de inutilidade. Anula minha vontade de seguir, e me faz sangrar. Eu provavelmente continuaria seguindo, deixando uma trilha de sangue por onde quer que eu passe.
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