13/10/2015

Talvez primeira história real

Quando eu te encontrei naquele quadradinho de casa - um bloquinho de dormir, comer e urinar - cheio de cartelas de remédio espalhadas pela casa, vazias, cheias, começadas e abandonadas. Quando eu te encontrei lá, todo não-você, todo sem saber e pior: sem querer saber. Quando isso aconteceu, eu quis te gritar a vida, as coisas, as crianças que passam de bicicleta lá embaixo e os animais e o mundo que continua incansável. Quis te sacudir e te bater, como quem esbofeteia para acordar do sonho mal dormido, como quem chama de volta do transe.

Quando eu te olhei assim eu quis virar o olhar, eu quis falar que não, que logo passa, que era besteira, que não ia ser nada. Eu quis virar o olhar por que tive medo de me ver também ali; de você fazer sentido dentro dessa coisa terrível que habitou sua alma, que arrancou todo o brilho dos seus olhos, que comeu como traça as coisinhas que você zombava nos fazendo rir; que você fazia no sábado de manhã junto com seu tênis de caminhada. Esse parasita silencioso que te arrebatou de você mesmo - e fez o seu chuveiro ficar seco com um pó de deserto, sua pia quase rachada de seca e fungos vivendo na geladeira - esse parasita que, num consultório frio e branco, chamaram de depressão.