25/07/2010

Mágoas Mortas

Entrou com pés silenciosos, pediu perdão e chorou. Saiu vinte e tantas toneladas mais leve. O irmão continuou calado, de olhos fechados, estirado no balcão gélido. Afinal, antes tarde do que nunca.

20/07/2010

Exagero

Falo gota
Ela diz oceano
Falo cheiro
Ela diz França
Falo árvore
Ela diz ecossistema complexo
Falo estrela
Ela diz universo infinito
Falo uma letra
Ela fala Literatura Anglo-Saxônica
Falo um acorde
Ela diz orquestra filarmônica
Falo um detalhe
Ela fala todos eles
Falo azar
Ela diz amor
Falo sorte
Ela diz amor
Falo amor

... e então ela não diz nada.

Recado em Papel de Pele

Numa segunda-feira de sol você rabiscou toda minha pele como um guardanapo atacado por ansiedade súbita. Traçou milhares de linhas incertas, escreveu sonhos de criança, riscou desenhos disformes e multifacetados, fez o jogo-da-velha, listou teus desejos, pintou três setes e fez até desenho de casinha.
Num domingo de frio conseguiu borrar meu papel-de-pele com lágrimas mais ou menos salgadas e um tanto que esquizofrênicas (não me atreveria a dizer falsas). Diluiu-se na minha frente e apagaram-se as linhas da minha mão. Mas a mão não se apaga, sabes disso.
Tenho tinta de sobra e papel-de-pele é o que não me falta e a mão rabisca, pinta e borda. Também tece aqui um último viva:
Saúdo-te, ó atriz principal dos meus rascunhos!

01/07/2010

Uma Velha Conhecida dos Homens



Muito se fala sobre a morte desde qualquer tempo, pois ela nasce com a vida e acaba por si só, basta-se. Toda família conhece o seu mecanismo, os ritos e passagens e etc, etc, etc. Deixemos as entrelinhas para os filósofos, cientistas, monges e avôs. Cabe-me apenas o relato de como conheci esta senhora tão ambígua. Censurem-me caso me exceda nos ramos dos bons homens citados acima.
O coração do Tio Marcos parou sem avisos prévios numa certa manhã de segunda-feira, seguindo o exemplo do dono, preguiçoso profissional. O velório foi até que animado se comparado a tantos outros que vi posteriormente. Vários tios lembraram-se das glórias do “Marcão”, como quando cantava o hino da Itália bêbado em cima da mesa, a piada do dedo quebrado, a mágica do papelzinho e tantos outros feitos quase heróicos.
Eu não podia entender toda aquela choradeira das mulheres da família e minha mãe que se mostrava tão pálida e sentimental. Também fiquei confuso com os trajes de garçom que os homens usavam. A mente de uma criança tende a ver fantasia em tudo e mais que isso: Crianças extraem conhecimento de qualquer situação, habilidade que é esquecida com o passar dos anos.
Conseguia olhar a cena como se fosse algo belo, misterioso e engraçado, tudo bem ao estilo do meu falecido tio. Pensei estar em alguma peça de teatro ou brincadeira de televisão; O tio Marcão deitado ali? Ah! Só podia estar tramando alguma e eu me revirava em pensamentos tentando adivinhar a surpresa. Fuçando em pensamentos tolos achei um que se destacou: A morte. Um tanto mais crua que as de desenhos animados e livros de história, mas ainda sim a própria. Num súbito tomei conhecimento de tudo: Meu tio morrera.
Primeiro vem surpresa e então a emoção. O coração tenta gritar “Mentira!” bem ao modo de criança contrariada, que tenta impedir uma verdade iminente, inevitável. As lágrimas rolam, as pernas bambeiam e o lábio treme. Era aquele mesmo sentimento de quando eu fazia algo que vinha a me arrepender ou magoar alguém, só que muito mais forte. Era tristeza misturada com saudades ainda não sentida. Quantas descobertas em tão poucos minutos! Agarrei-me nas pernas de meu pai, com medo que acontecesse com ele também.
Mesmo emocionado fiquei ainda meditando, tentando calar o coração para entender tudo melhor. Num estalo minha jovem mente se iluminou e tirei dali uma explicação confortável: Não era meu tio ali! Não era e ponto. Quis gritar isso a todos, mas a voz ficava presa no peito. Claro que não podia ser ele! Como não viam isso? Se fosse o Tio Marcão, provavelmente estaria dançando com uma garrafa de cerveja na mão, de sorriso fácil e bêbado, contando piadas obscenas e engraçadas para os outros tios. Ele não estava ali, sabia disso com toda a sábia certeza de cinco anos de idade.
Será mesmo que era aquilo a morte? Sim, aquela morte tão chorada e dolorida que eu ouvia falar? Eu com tão poucos anos de idade já desconfiava da morte e seus desígnios. Parecia-me tão inofensiva e pacífica! Além do mais era cheia de flores e pessoas. Mais parecia uma festa. Como poderia aquilo ser trágico? Até hoje me falta essa resposta.