27/04/2010
Cartão de Feliz-Despedida
Cartões de aniversário soam como despedidas. E as despedidas se amontoam na caixa empoeirada em cima do meu velho armário. Tão empoeirada quanto eu, que gasto por todos esses 86 anos de cartões lhes escrevo este último.
O espaço da minha caixa de sapatos já se acabou, como o curto espaço da vida já também não me cabe assim, com tanta idade. Portanto, meus amores, só me resta espaço para esta última despedida em belo cartão de aniversário!
Adeus, meus amores, adeus.
Foi-se encontrado o cartão cuidadosamente colocado ao lado do copo d’água no criado mudo. A mão que o escrevera já não era mais a mesma: Mesmo embaixo do quente cobertor lhe faltava calor; havia lhe escapado a força da vida.
Neste momento algumas lágrimas quentes caíram sob o assoalho de madeira do quarto. Uma brisa fresca e breve balançou as folhas do jardim, que estalaram e chiaram baixinho, compadecidas.
25/04/2010
Sobre o Seu Vizinho Amargo e Muitos Outros
Vê, estamos aí andando pelo mundo, com a oportunidade constante de conhecer e trocar experiências com pessoas exclusivas a cada esquina, a cada fila de cada banco. A cada dez passos pessoas inexploradas e universos inteiros que anseiam por descobrir e serem descobertos.
Hoje em dia, principalmente por conta do imediatismo da internet, tem-se concretizado uma nova maneira de ser mimado, que é o desinteresse imediato pelas pessoas e pela essência inexplorada que se esconde ali, atrás dos olhos do ‘seu José’, porteiro da empresa, que há vinte anos sente que não existe pois ninguém o vê e ninguém quer ser olhado por ele; por isso abaixa a cabeça.
Não entendo por que o Brasil, um país de tantas cores, calores e culturas, conserva essa atitude tipicamente européia de empinar o nariz, pisar em tudo quanto é gente que considera inferior, maltratar o garçom, desprezar o porteiro do prédio e gemer sempre um “bom dia” penoso, sofrido.
O século XXI é tido como o século da comunicação. Temos a internet numa expansão absurda, a televisão dentro das ocas indígenas e tudo o mais. Eis o ponto: O homem, com toda sua parafernália tecnológica consegue usar isso contra si mesmo, tornando-se cada vez mais incomunicável.
No ônibus todos vidrados nos jogos e aplicativos dos celulares, ouvidos enfiados no fone. Completamente imersos num mundo construído pela própria visão curta e mimada. O mundo e as pessoas estão lá fora, despercebidos e sabotados pelo comodismo do fulano.
Nas escolas as crianças da quarta série se isolam nos cantos para ‘trocar informações’ via celulares “iTouch”. Aprendem desde cedo a arte penosa de ser solitário mesmo rodeado de gente. Gente que nunca vai poder conhecer, por que, sabe como é, é perigoso.
Outro dia um amigo me disse: Escreva sobre algo valioso. Pois quer coisa mais valiosa que a nossa própria pessoa, que construímos dia a dia, com cada palavra, cada gesto? É pena que as pessoas costumem ignorar este fato. Focando-se somente nas construções materiais, acabam ficando com a personalidade rudimentar, fraca.
Imagina se a mania de ser despretensiosamente sincero, de cantarolar pela rua, de não ter medo de olhar e ser olhado pega! Ah, aposto que o homem ia arrumar problema nisso também!
Hoje em dia, principalmente por conta do imediatismo da internet, tem-se concretizado uma nova maneira de ser mimado, que é o desinteresse imediato pelas pessoas e pela essência inexplorada que se esconde ali, atrás dos olhos do ‘seu José’, porteiro da empresa, que há vinte anos sente que não existe pois ninguém o vê e ninguém quer ser olhado por ele; por isso abaixa a cabeça.
Não entendo por que o Brasil, um país de tantas cores, calores e culturas, conserva essa atitude tipicamente européia de empinar o nariz, pisar em tudo quanto é gente que considera inferior, maltratar o garçom, desprezar o porteiro do prédio e gemer sempre um “bom dia” penoso, sofrido.
O século XXI é tido como o século da comunicação. Temos a internet numa expansão absurda, a televisão dentro das ocas indígenas e tudo o mais. Eis o ponto: O homem, com toda sua parafernália tecnológica consegue usar isso contra si mesmo, tornando-se cada vez mais incomunicável.
No ônibus todos vidrados nos jogos e aplicativos dos celulares, ouvidos enfiados no fone. Completamente imersos num mundo construído pela própria visão curta e mimada. O mundo e as pessoas estão lá fora, despercebidos e sabotados pelo comodismo do fulano.
Nas escolas as crianças da quarta série se isolam nos cantos para ‘trocar informações’ via celulares “iTouch”. Aprendem desde cedo a arte penosa de ser solitário mesmo rodeado de gente. Gente que nunca vai poder conhecer, por que, sabe como é, é perigoso.
Outro dia um amigo me disse: Escreva sobre algo valioso. Pois quer coisa mais valiosa que a nossa própria pessoa, que construímos dia a dia, com cada palavra, cada gesto? É pena que as pessoas costumem ignorar este fato. Focando-se somente nas construções materiais, acabam ficando com a personalidade rudimentar, fraca.
Imagina se a mania de ser despretensiosamente sincero, de cantarolar pela rua, de não ter medo de olhar e ser olhado pega! Ah, aposto que o homem ia arrumar problema nisso também!
09/04/2010
As Mulheres de Pedra
Do abismo dos lábios rachados em pedra – pedra grossa e gasta pelo vento – vertiginosamente palavras de amor e ódio, entrelaçadas em linha torta, pendem e se derramam, formando ruínas de uma cidade inteira.
As palavras são pequenos pedregulhos que rolam pelo desfiladeiro de seios polidos, feitos de quartzo rosa e afeto - afeto que só uma mulher sabe possuir. Continuam rolando pelas coxas feitas de opala e escorrem pelas canelas de marfim e prata.
Elas descem, as palavras, manchadas de batom vermelho-sangue-pisado, aos pulos atingem minha alma nua, rachando-a em pedaços, como uma fruta madura que recebe tiros infantis e impensados de estilingue, em alguma tarde quente de domingo.
Igualmente numa tarde quente, eu andava pelas ruínas da cidade das mulheres de pedra, perdido e enlaçado pelos ares doces do lugar – ares doces como hálito de mulher.
Avistei algumas mulheres de pedra que ali repousavam; umas tranqüilas, de delicadeza rústica e imutável e outras com olhar leviano, quase desdenhoso e muito sedutor. Feições que ficaram eternamente esculpidas nas faces pedregosas.
O sol a pino fazia a essência feminina do local dissolver-se e evaporar em um suave incenso que dançava no ar, me deixando ébrio e um pouco tonto.
Teria chegado eu nessas ruínas de pedra e palavras com os meus próprios pés? Ou tais ruínas ergueram-se sorrateiramente à minha volta sem que eu percebesse?
Ah! Como são misteriosas as mulheres e os seus feitos!
As palavras são pequenos pedregulhos que rolam pelo desfiladeiro de seios polidos, feitos de quartzo rosa e afeto - afeto que só uma mulher sabe possuir. Continuam rolando pelas coxas feitas de opala e escorrem pelas canelas de marfim e prata.
Elas descem, as palavras, manchadas de batom vermelho-sangue-pisado, aos pulos atingem minha alma nua, rachando-a em pedaços, como uma fruta madura que recebe tiros infantis e impensados de estilingue, em alguma tarde quente de domingo.
Igualmente numa tarde quente, eu andava pelas ruínas da cidade das mulheres de pedra, perdido e enlaçado pelos ares doces do lugar – ares doces como hálito de mulher.
Avistei algumas mulheres de pedra que ali repousavam; umas tranqüilas, de delicadeza rústica e imutável e outras com olhar leviano, quase desdenhoso e muito sedutor. Feições que ficaram eternamente esculpidas nas faces pedregosas.
O sol a pino fazia a essência feminina do local dissolver-se e evaporar em um suave incenso que dançava no ar, me deixando ébrio e um pouco tonto.
Teria chegado eu nessas ruínas de pedra e palavras com os meus próprios pés? Ou tais ruínas ergueram-se sorrateiramente à minha volta sem que eu percebesse?
Ah! Como são misteriosas as mulheres e os seus feitos!
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