Aconteceu outra vez. Oito e quarenta e três. Céu claro, poucas nuvens, sol alaranjado. Os cachorros latiam no quintal e o papagaio reclamava do barulho. Estavam agitados. Poderia ser um dia como qualquer outro, mas não foi.
Leonardo, detentor do aquário doméstico, localizado ao sudoeste da cozinha (debaixo da pequena prateleira com flores, sob a fruteira e anteposto à porta, de frente à mesa de jantar e ao oeste do toalete), surpreendeu-se ao dar falta de um dos cinco peixes residentes do aquário. Ainda sonolento, esfregou os olhos e tentou localizar o fugaz peixinho, pensando estar tendo alucinações. Assustou-se. Ele (o peixe) realmente não estava localizado no recinto aquariano, localizado à direita da geladeira familiar.
Foi então que me procuraram. Meio-Dia e Vinte e Sete. Eu estava inerte àquela hora da manhã. Engoli o café com os relatos desesperados do Sr. Leonardo, e da Sra. Tereza, co-detentora e sócia do aquário doméstico, localizado na zona de nutrição, cinco passos para o sudoeste partindo em vinte e três graus diretamente da entrada do corredor que vem e vai para a sala de estar. Estavam assustados. Leigos.
-Deixem-me sozinho... eu resolvo as coisas por aqui – Pedi, olhando para o horizonte com olhar sonhador, e o lábio inferior pouco rígido, a sobrancelha esquerda em sua extremidade direita ondulava, enquanto uma intensa atividade cerebral se desenvolvia.
Examinei o local do ocorrido com extrema perícia.
-Suicídio. – Decretei friamente. E andando de um lado para o outro, fazendo movimentos vagos com as mãos, continuei:
-O infortunado peixe suicidou-se batendo a cabeça no vidro do aquário, mas antes pediu para seus companheiros de estadia, os peixes dourados, para que queimassem seu corpo. Ele queria jogar com vocês. Esses peixes querem deixar vocês malucos, e estão conseguindo. – Deram um soluço de susto. Leigos.
Então transferimos os peixes-cúmplices para uma jarra de plástico de segurança máxima. Tentamos interrogá-los, mas se mostraram nervosos e contrariados. Tortura? Não. Não podíamos arriscar nossas testemunhas/suspeitos.
Treze horas e cinqüenta e três. O sol quente ajuda no clima de tensão. Investigamos o aquário, o corpo do peixe não estava enterrado nas pedrinhas coloridas. E os peixes não queimaram o corpo do suicida. Não.
Acabamos por achar o corpo do jovem peixe infortunado. Estava preso dentro de um pequeno pedaço de coral, numa de suas cavidades redondas.
Sra. Tereza não agüentou a visão horrenda e quase fantasmagórica do peixe defunto. Com seu lenço rendado saiu do recinto, num discreto pranto, e foi tomar um ar. Quase que lança seu café da manhã pelo chão rústico do quintal.
O peixinho macilento jazia com os olhinhos petrificados e sonhadores. Seu corpo estava inchado pela água e esbranquiçado pelo tempo. Pensei na família do peixinho, agora de um amarelo gasto. Eu estava quase emocionado, mas me recompus.
Sr. Leonardo, detentor do aquário, decidiu tirar todas as pedrinhas coloridas do aquário. Estava com medo de algum atentado. Nunca se sabe. Tirou também todas as frivolidades, como os enfeites e plantas artificiais. Os peixes ficaram quietos quando transportados de volta ao agora vazio doce lar. Acabou. Por enquanto.
29/01/2009
23/01/2009
Sobre o Roubo
Certas tardes você se sente vazio e incompleto. Acredito que as tardes sejam especiais e até mesmo mágicas, elas parecem um período de transição para algo especial, que é a noite. Ela funciona como um preâmbulo para os acontecimentos noturnos. Talvez por isso as tardes sejam nostálgicas.
Eu pensava nisso enquanto subia a rua, numa tarde de sexta-feira. Eu estava angustiado; Tinha que levá-la à rodoviária, e não há nada pior que alguém querido partir numa tarde, pois você sempre vai ter o resto da tarde e toda a noite para ficar sozinho. Não reclamo de tardes com pessoas queridas, só digo que a noite combina mais com tais pessoas. Não sei explicar o por quê, a noite tem um cheiro, que é um tempero para uma boa companhia.
Foi então que vimos quatro livros em cima de uma mureta redonda, que fica numa esquina bem movimentada, ainda mais de sexta-feira com os bares fervilhando. Os livros estavam alinhados, como se arrumados por alguém. -Deve ser de alguém, concluímos, e seguimos nosso caminho. Eu estava intrigado, não se vê livros por aí jogados (de um modo organizado) todos os dias. Ainda mais numa tarde. Uma tarde de sexta.
Eu não quis isso! Juro que não! Mas fiquei completamente fora de mim quando, voltando pelo mesmo caminho, percebi que os livros ainda estavam lá! Não pude resistir, e andei devagar, perto da mureta para observar esses objetos fascinantes que são os livros. Os três últimos livros eram vermelhos, eram sobre idiomas, mas ironicamente, o mais próximo de mim foi o que me chamou a atenção. Preto, capa dura e desenho em dourado. Não era uma bíblia, pois um gato maligno estava desenhado aos pés de uma senhora com um longo vestido, que se espalhava por sobre toda a extensão da capa. Pude ler “Poe - Histórias Extraordinárias”.
UM PRESENTE DE DEUS! Isso! Um presente divino um livro numa tarde sexta-feira! Presenciei um milagre! Participei de um milagre. Bem sabe você que não se nega um presente. Ainda mais divino.
Eu desci a rua como se o livro sempre fora meu. Por algum motivo eu me sentia bem sem nenhum traço de remorso. Como eu poderia deixar aquele livro ali, sozinho? Digam-me! Como alguém, n’uma tarde de sexta-feira pode deixar livros ao relento?!
Folheei as páginas para ver se algo estava escrito, quem sabe uma mensagem de parabéns, uma dedicatória de algum amor, enfim, qualquer coisa. Mas nada estava escrito. Me senti poderoso, como qualquer homem que se apropria de algo que não lhe pertencia. Acontece que muitas vezes esse sentimento de poder é falso e nebuloso.
Fiz as formalidades e coloquei o livro na estante com meus outros, para que pudesse sentir-se melhor. Sabe-se lá, deve ser um tédio passar uma tarde de sexta-feira do lado de três livros de idiomas.
Três batidas apressadas bateram na porta. Tive um mau presságio e por um momento único senti um intenso remorso que durou segundos infinitos. Chacoalhei a cabeça e voltei a mim. Peguei o copo de café em cima da mesa, como se o recrutasse para meu companheiro. Como se ele pudesse me proteger. Eu estava com um medo irracional.
Girei a chave, e antes que pudesse ver quem batia na porta, fui surpreendido, e levei três tiros no peito. O rapaz de luvas foi embora, e olhando ao meu redor, vi uma poça de sangue, meu sangue, fazer uma forma disforme no tapete da sala.
O que mais me deixa confuso é que o livro continuou lá, na minha estante, com os outros livros. Não resisti e acabei por morrer naquela sexta-feira. O céu já estava escuro. Parece que a tal “transição para algo especial” realmente ocorreu para mim. Penso hoje em dia que tardes são perigosas, mão não me arrependo do meu singelo roubo.
18/01/2009
13/01/2009
Pisciana
Ela é todo um mar, calmo de dia, preguiçoso ao entardecer e revolto de noite. Injusto chamar-la apenas "Pessoa de peixes", sendo que suas águas perfumadas abrigam os mais variados tipos de cardumes multicoloridos e diversos tamanhos; sendo que suas águas escuras e profundas abrigam as criaturas luminicentes e misteriosas, dos mais estranhos e fascinantes hábitos.
Na sua superfície vejo uma praia sedutora. Teus seios são corais multicoloridos que se avivam a cada onda que os atinge. Ondas que partem do seu íntimo, trêmulas mas certeiras. Teus peixes pulam em quedas d'água repentinas, nadando contra a correnteza. Esses cabelos com fios de vários tons são marolas inebriantes, com picos fulgentes pelo sol do meio-dia. Afogo-me nesses cabelos como marujo entediado! Nas suas costas nuas quero jogar o meu corpo; Tuas costas são cristas de onda que me arrebatam para e frente e para trás num ritmo sereno e hipnotizante. Que essas ondas jamais me atire em terra firme. Quero nadar pelas ondas de seus corpo, como atleta.
Quero navegar como capitão em todos os seus muitos mares neste meu frágil barco construído com todo o meu exagero e paixão. As velas são minhas loucuras e sem âncora velejo até deparar-me com uma de suas possíveis pedras pontiagudas, que me servem de freio! Mas em cima de cada pedra existe uma sereia, que canta rodiada de seres simpáticos como caranguejos, ostras e bolachas do mar.
Teus peixes e cardumes são teus sentimentos, o mar e a correnteza o seu desejo e sentimento. Tuas pedras são tuas confusões que me afastam e tuas sereias e seres simpáticos são as certezas finais e inegáveis que me puxam para perto de ti.
Na sua superfície vejo uma praia sedutora. Teus seios são corais multicoloridos que se avivam a cada onda que os atinge. Ondas que partem do seu íntimo, trêmulas mas certeiras. Teus peixes pulam em quedas d'água repentinas, nadando contra a correnteza. Esses cabelos com fios de vários tons são marolas inebriantes, com picos fulgentes pelo sol do meio-dia. Afogo-me nesses cabelos como marujo entediado! Nas suas costas nuas quero jogar o meu corpo; Tuas costas são cristas de onda que me arrebatam para e frente e para trás num ritmo sereno e hipnotizante. Que essas ondas jamais me atire em terra firme. Quero nadar pelas ondas de seus corpo, como atleta.
Quero navegar como capitão em todos os seus muitos mares neste meu frágil barco construído com todo o meu exagero e paixão. As velas são minhas loucuras e sem âncora velejo até deparar-me com uma de suas possíveis pedras pontiagudas, que me servem de freio! Mas em cima de cada pedra existe uma sereia, que canta rodiada de seres simpáticos como caranguejos, ostras e bolachas do mar.
Teus peixes e cardumes são teus sentimentos, o mar e a correnteza o seu desejo e sentimento. Tuas pedras são tuas confusões que me afastam e tuas sereias e seres simpáticos são as certezas finais e inegáveis que me puxam para perto de ti.
08/01/2009
Saudade
saudade
sau.da.de
sf (lat solitate) 1 Recordação nostálgica que faz pesar o peito e os ponteiros relógio, fazendo dos dias muito compridos. 2 Vontade desenfreada de tornar a vê-la(o), beijar, abraçar, morder e falar todas as loucuras e besteiras que vêm na cabeça. 3 Sentimento sorrateiro que lhe ataca quando ouve alguma música ou olha para algo que a(o) lembre. 4 Verificação excessiva e exagerada de instrumentos como o relógio, calendário, caixa de e-mails, celular e fotos. 5 Sentir uma verdadeira falta, um buraco nos seus dias. 6 Vontade de nunca mais deixa-la(o) partir para muito longe por muito tempo. 7 Necessidade de poder fazer cócegas e carinhos numa tarde vazia.
sau.da.de
sf (lat solitate) 1 Recordação nostálgica que faz pesar o peito e os ponteiros relógio, fazendo dos dias muito compridos. 2 Vontade desenfreada de tornar a vê-la(o), beijar, abraçar, morder e falar todas as loucuras e besteiras que vêm na cabeça. 3 Sentimento sorrateiro que lhe ataca quando ouve alguma música ou olha para algo que a(o) lembre. 4 Verificação excessiva e exagerada de instrumentos como o relógio, calendário, caixa de e-mails, celular e fotos. 5 Sentir uma verdadeira falta, um buraco nos seus dias. 6 Vontade de nunca mais deixa-la(o) partir para muito longe por muito tempo. 7 Necessidade de poder fazer cócegas e carinhos numa tarde vazia.
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