04/12/2017

CID

Enquanto eu passava pela beira da favela, não consegui me sentir feliz ao ver os meninos empinando pipa. Havia um buraco no fundo dos meus olhos. Nítido e tão real quanto os buracos de bala. Não era o buraco metafísico que as poetisas carregam; não era o buraco sem fim dos olhos de um depressivo. Este buraco - meu buraco - tinha registro no Código Internacional de Doenças, CID 10 H35, e mais tarde teria sido diagnosticado pelo oftalmologista através de um exame de imagens tridimensionais, lasers e luzes.

Tornei-me um paciente. Tenho suado nas cadeiras dos consultórios! Ao acordar, testo a visão sempre. Não tenho medo de ter maiores perdas da claridade visual, mas temo todas as burocracias médicas e rituais cirúrgicos. Até o próximo exame de fundo de olho, sei que minha alma estará suspensa nas cordas bambas da ansiedade. Em meu lugar operará uma forma teatral de mim mesmo até que eu aceite a oportunidade do não-ver como uma experiência rica e única.