06/06/2017

Discursinho de exploração interior


Passei tanto tempo escondendo esse meu eu de todos, cantando só para mim e escrevendo para tão poucos, sendo poeta para ninguém, frequentemente sufocado em mim mesmo. Vergonha, morrendo de vergonha sempre. Arrastando sentimentos pelos rodapés das casas e falando sempre mais baixo quando esse eu que produz, canta, escreve, lê e sente vem a tona.
Eu queria explodir num sentimento de mundo, abrir o peito em flor e gritar: Eu sou todo cor e sem formas ou contornos! Sou volúvel por dentro e trêmulo por fora. Mesmo que toda essa ânsia por arte pareça ridícula, supérflua, mentirosa, forçada, boba, clichê, exagerada, espalhafatosa, dissonante do "eu" que conceberam de mim. Mesmo assim. Eu sou isso. Sou isso no mais íntimo e atômico do meu ser: sou arte e respiro arte mesmo sendo artista tão patético, raso e preguiçoso.
Não vejo salvação nenhuma para minha vida fora da poesia, da prosa, do cinema, da fotografia, da música, da dança, do cinema, de achar engrçado e triste aquelas crianças correndo no parquinho, de encarar o muro cinza em frente ao ponto de ônibus e ali ver uma beleza de mãos humanas que trabalharam. De vidas que foram raladas no atrito das horas de trabalho.
Sou isso - só isso - e passei tanto tempo querendo que acreditassem em mim! Sinto-me um adolescente frustrado, uma criança mal resolvida. Por quê não me gritei e mostrei antes? Agora é tão difícil. Será que o bonde já passou? É tão trabalhoso mudar o costume e o olhar dos terceiros e até o meu próprio! Tão enfadonho quanto trabalhos infinitos de escritório. Explicar o que não se explica, se justificar a todo momento, como quem se defende! Recolocar-se nesse mundo tão engessado, achar uma nova posição para o antigo "eu". Teria eu outra escolha?

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