Existe uma descontinuidade eterna em nossa vida. Somos pedaços ambulantes espalhados pelo tempo.
Algum filósofo ou sociólogo com maior paciência que eu para estudar vai saber o conceito certo, pragmático. Eu não, eu não vou saber, eu só quero sentir.
Acontece essa descontinuidade, essa quebra, pois somos dotados de uma memória atemporal e um corpo físico fadado ao tempo, temporal. Esse é o clássico embate dualista mente versus corpo, tão visto, tão falado - e sem saída.
A memória é atemporal por que traz exatamente a mesma sensação, o mesmo cheiro, o sentimento - tudo - de um momento passado (e futuro, talvez) que fisicamente é incapaz de se reproduzir no presente, no momento em que se lembra. O corpo físico está fadado aos mandos e desmandos do tempo, trancafiado no plano cartesiano tempo versus espaço.
A mente não tem essa limitação; a mente está além do tempo. A memória pode se deter em qualquer lugar do tempo, como se pausa um vídeo - e pode deter-se até em memórias que não aconteceram, como Freud mostra em suas "Lembranças Encobridoras". Não importa a veracidade da lembrança, mas sim as sensações que ela traz, sensações que não deixam de serem reais.
Mas enfim, lembrar de um momento reproduz no corpo a mesma reação física, mental, sentimental de estar realmente vivendo este momento novamente. O que difere o lembrar, na mente, do viver, de corpo presente, é o impedimento de interagir com o passado. Imutáveis como pedra são as lembranças - mesmo que se desvaneçam com o tempo e possam ser reinterpretadas.
Isso tudo transforma os pensamentos fardos muito doloridos para carregarmos: A mente está num lugar, o corpo noutro. Essa cisão nos persegue e é parte integrante de nós. Somos pedaços ambulantes espalhados pelo tempo e a ânsia de juntar nossos pedaços nos leva a frustração e ao desgosto. Um problema sem solução, um paradoxo.
Queremos arrumar a vida como arrumamos a nossa casa: deixar tudo alinhado, limpo e organizado em caixinhas. Queremos sanar nossas pendências com as outras pessoas e deixar tudo em "pratos limpos", mas não podemos! Justamente por sermos seres anacrônicos, cindidos, espalhados pelo tempo. Conciliar passado e presente - mente e corpo, cultura e natureza- é como querer matar o passarinho ontem atirando uma pedra hoje.
Sabe o foda? O foda mesmo? Tudo isso é óbvio demais pra ser falado, pra ser posto em texto ou em fala. Lendo e relendo tudo isso dou risada pela obviedade da nossa constituição dicotômica. Como é bobo o sofrimento humano. Como são bobas nossas aflições.
Sabe o foda? O foda mesmo? Tudo isso é óbvio demais pra ser falado, pra ser posto em texto ou em fala. Lendo e relendo tudo isso dou risada pela obviedade da nossa constituição dicotômica. Como é bobo o sofrimento humano. Como são bobas nossas aflições.