Pensou:
Essas ruas são tão sujas. Sujas como meu cigarro, o asfalto quente como meu pulmão. Quantos sapatos já não se gastaram nessas ruas, procurando algo, algo que talvez nem exista? Quanto tempo já pas...
-Senhor, são cinco e dez. Senhor..?! Tem dez cents aí pra ajudar no troco?
-Nunca tenho.
Nunca tive. Nem dez cents, nem algum propósito para gastar meus sapatos; Digo, algum propósito que realmente quisesse cumprir, algo real. Se as ruas não fossem tão ásperas, os sapatos durariam mais.
-Moço, tô com fome, me ajuda aí vai, pode ser qualquer coisa..
Aliás, as pessoas são ásperas também, tão ásperas quanto as ruas. Mas pessoas ásperas fazem algo muito pior do que somente gastar sapatos; Pessoas ásperas gastam vidas, ralam sonhos e trituram pessoas inteiras mais rápido que sapatos perdidos no centro da cidade.
* * *
Mais tarde naquele dia ouviu-se a história se espalhar entre os meninos de rua, todos ouviam atentos:
-Num sei se era loco não! Só sei que eu pedi pra ele me ajudá aí ele tirou os sapato e me deu no meio da rua! Disse que agora era livre! Vai intendê!