01/07/2010

Uma Velha Conhecida dos Homens



Muito se fala sobre a morte desde qualquer tempo, pois ela nasce com a vida e acaba por si só, basta-se. Toda família conhece o seu mecanismo, os ritos e passagens e etc, etc, etc. Deixemos as entrelinhas para os filósofos, cientistas, monges e avôs. Cabe-me apenas o relato de como conheci esta senhora tão ambígua. Censurem-me caso me exceda nos ramos dos bons homens citados acima.
O coração do Tio Marcos parou sem avisos prévios numa certa manhã de segunda-feira, seguindo o exemplo do dono, preguiçoso profissional. O velório foi até que animado se comparado a tantos outros que vi posteriormente. Vários tios lembraram-se das glórias do “Marcão”, como quando cantava o hino da Itália bêbado em cima da mesa, a piada do dedo quebrado, a mágica do papelzinho e tantos outros feitos quase heróicos.
Eu não podia entender toda aquela choradeira das mulheres da família e minha mãe que se mostrava tão pálida e sentimental. Também fiquei confuso com os trajes de garçom que os homens usavam. A mente de uma criança tende a ver fantasia em tudo e mais que isso: Crianças extraem conhecimento de qualquer situação, habilidade que é esquecida com o passar dos anos.
Conseguia olhar a cena como se fosse algo belo, misterioso e engraçado, tudo bem ao estilo do meu falecido tio. Pensei estar em alguma peça de teatro ou brincadeira de televisão; O tio Marcão deitado ali? Ah! Só podia estar tramando alguma e eu me revirava em pensamentos tentando adivinhar a surpresa. Fuçando em pensamentos tolos achei um que se destacou: A morte. Um tanto mais crua que as de desenhos animados e livros de história, mas ainda sim a própria. Num súbito tomei conhecimento de tudo: Meu tio morrera.
Primeiro vem surpresa e então a emoção. O coração tenta gritar “Mentira!” bem ao modo de criança contrariada, que tenta impedir uma verdade iminente, inevitável. As lágrimas rolam, as pernas bambeiam e o lábio treme. Era aquele mesmo sentimento de quando eu fazia algo que vinha a me arrepender ou magoar alguém, só que muito mais forte. Era tristeza misturada com saudades ainda não sentida. Quantas descobertas em tão poucos minutos! Agarrei-me nas pernas de meu pai, com medo que acontecesse com ele também.
Mesmo emocionado fiquei ainda meditando, tentando calar o coração para entender tudo melhor. Num estalo minha jovem mente se iluminou e tirei dali uma explicação confortável: Não era meu tio ali! Não era e ponto. Quis gritar isso a todos, mas a voz ficava presa no peito. Claro que não podia ser ele! Como não viam isso? Se fosse o Tio Marcão, provavelmente estaria dançando com uma garrafa de cerveja na mão, de sorriso fácil e bêbado, contando piadas obscenas e engraçadas para os outros tios. Ele não estava ali, sabia disso com toda a sábia certeza de cinco anos de idade.
Será mesmo que era aquilo a morte? Sim, aquela morte tão chorada e dolorida que eu ouvia falar? Eu com tão poucos anos de idade já desconfiava da morte e seus desígnios. Parecia-me tão inofensiva e pacífica! Além do mais era cheia de flores e pessoas. Mais parecia uma festa. Como poderia aquilo ser trágico? Até hoje me falta essa resposta.

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