24/09/2009

Andas Como Se Fosse Dona Do Mundo

Os olhos se faíscam contra os meus - Contra ou a favor, não sei dizer. Só posso ver que são olhos grandes e vivos; talvez somente curiosos e indiscretos; não importa agora, que o tempo está parado. Não pude ver nada além dos olhos, naquele primeiro e único momento de êxtase acidental.
Viro pra trás e vejo os cabelos enrubescidos. Eu diria que tinham a cor de uma ferrugem clara, – ah! que indelicado eu! – mas não, de enferrujados não tinham nada, pois cada cacho e ondulação dançavam; seguiam o ritmo dos murmúrios da multidão ou então orquestravam essa sinfonia de cidade grande.
Vejo-a lá embaixo, longe, indo à plataforma esperar o trem.
Olho como criança abelhuda e mal-educada. Ela anda como se fosse dona do mundo e do tempo! Flutua sob pobres mortais e arrasa cidades inteiras com uma beleza sacro-pecadora. Cada passo, cada embalo de seu corpo constituí um mistério; um segredo! Meus pés estão me levando até lá, atrevidos pés errantes.
Espero também o trem, pra onde quer que ele vá. Estou a três passos dos cabelos e olhos incompreensíveis. Pego no ar um cheiro inebriante pulando daqueles cachos, um cheiro que talvez só exista dentro de mim, um delírio bem imaginado. Ela sorri um sorriso quase invisível, pois sabe que estou ali e quem eu sou. Sabe tudo de mim! O sorriso não me diz nada! Sinto-me em desvantagem; exposto e bobo, como moleque que é descoberto fazendo arte.
Estamos de frente, dois passos de distância, dentro do trem. Os pequenos pés, incertos, encolhidos e bem juntos palpitam ou gargalham. Foragidos cruéis ou divindades humildes? Ela está me vendo sem olhar. Que diabo é esse olhar?! É desejo, ironia, cobiça ou escárnio? Insolúvel enigma, novamente. Ela é todo segredo. Uma esfinge! Sim, uma esfinge impenetrável e oblíqua.
- Devora-me, pois não lhe decifro! – Eu gritaria! Ela tem que saber que isso não se faz. É cruel e deleitável demais, vai contra as leis e experiências humanas! É pecado e benção, é infernal e paradisíaco! E olha e sorri – ou ri, não concede ao menos um pingo de suas verdades, se é que existem. Dou risada, creio que de mim mesmo.
Pela janela do trem vejo novamente os cabelos de tarde alaranjada, e já se pondo, eles se perdem em meio a tantos outros cabelos ordinários, tão corriqueiros. Os passos despreocupados, donos do mundo, vão ora certos ora incertos, embalando meus olhos. Quase sem respirar eu observo-a indo. Para nunca mais. Para sempre.

14/09/2009

Dos Prazeres Humanos Não Divinos

Os prazeres! Carrascos e libertinos, conservadores e revolucionários! Ah! Como os prazeres são tão humanos! Sempre duais, irracionais e autodestrutivos! São atuantes modernos e refinados dos falhos cinco sentidos.
Aliás, prazer em conhecê-los! Sabeis que um dia vamos acabar, todos, e junto ao sepulcro podre, todos os nossos prazeres a cantarolar e roer nossa carne, bem como faziam em vida; vermes impuros e levianos que cantam sua glória, triunfantes.

01/09/2009

A Paisagem Que Falava Sozinha

Estou aqui, mas ainda não sei bem pra onde ir.
Sabe como é. O céu anda eternamente nublado esses tempos
Tudo me parece meio indigesto, precisando de movimento; vida
Sinto que minha vida até agora foi só um prelúdio para algo maior
Tenho medo que essa seja uma sensação eterna, agonizante
Como se todo passo que eu desse fosse o primeiro passo
Imagine! Uma viagem toda feita só de primeiros passos!

Sim, eu sei, eu sei... Sei que não posso ficar parado aqui no meio, divagando, sem ao menos primeiros passos, preso entre o ir e o voltar, entre a preguiça e o tédio... é que...
É que eu parei pra ver a paisagem!
Juro.

... Não há paisagem?!
Sendo assim, eu sou a paisagem.
Pronto.
Sou a paisagem.

E o homem, paisagem espetacular que se tornou, ficou ali, chuva, sol e oceano.